Todos foram surpreendidos pela disseminação da epidemia do Covid-19, e pelos seus efeitos drásticos seja na vida pessoal, profissional, bem como, no direito de família, em especial quando nos referimos à pensão e convivência com os filhos.
Em meio ao atual cenário de tantas incertezas, uma certeza é absoluta: os filhos permanecem precisando de suas pensões alimentícias!
Na verdade, é bem possível que as necessidades dos alimentandos tenham aumentado em decorrência do confinamento, principalmente em relação à alimentação, energia e internet, por exemplo.
Na contramão, também deve ser considerado que muitos prestadores de alimentos sofreram impactos significativos em sua renda, alguns até mesmo acabaram ficando desempregados, e então, como cumprir com o pagamento da pensão anteriormente fixada?
Primeiramente, vale esclarecer que o desemprego por si só não é causa hábil a excluir a obrigação alimentar.
No entanto, sabemos que a situação presente é extremamente delicada e se não for administrada de forma adequada pode desencadear grandes discussões e conflitos familiares que é tudo o que não precisamos nesse momento já tão difícil. Assim, uma boa dose de compreensão e bom senso de ambos os lados se faz necessária.
Certamente que a alternativa mais sustentável seria a negociação direta entre os genitores para tentar reequilibrar o binômio necessidade/possibilidade, podendo ser elaborados acordos provisórios pelo prazo que perdurar a crise.
Nesse sentido, um outro caminho possível é o da mediação, instituto em que um terceiro imparcial facilita a comunicação entre as partes, auxiliando-as na compreensão das questões em conflito de modo que se possam criar soluções de benefícios mútuos. As sessões de mediação podem ocorrer virtualmente sendo portanto, uma ferramenta viável durante a epidemia com a vantagem de possuir validade jurídica e preservar os vínculos familiares .
Outrossim, a via judicial sempre estará disponível, podendo o alimentante e o alimentando ingressar com a ação revisional de alimentos para modificar a obrigação alimentar, reduzindo ou aumentando o pensionamento, conforme o caso, tendo em vista a ocorrência de fato novo, como autoriza o art. 1699 do Código Civil.
Oportuno frisar que em sede de processo judicial, somente invocar a pandemia não é plausível para justificar a revisão dos alimentos sendo importante, no caso do devedor, demonstrar o impacto em seu labor e renda, visto que apesar de excepcional, existem segmentos que mantiveram sua remuneração, assim haverá uma flexibilização de acordo com a atividade profissional do devedor e outros fatores, e no caso do credor, demonstrar o aumento de suas necessidades.
Por evidente, dado o panorama de crise econômica, o judiciário será inundado de ações revisionais e como resultado uma sobrecarga ainda maior de trabalho aos magistrados e serventuários implicando em uma prestação jurisdicional lenta e custosa, por isso, a importância de se priorizar outras vias como a negociação e mediação para a solução de tais demandas.
Além de maior celeridade, os métodos alternativos de resolução de conflitos podem ser considerados mais adequados, pois estimulam a autonomia das partes em decidir o que é melhor e mais funcional para elas, sem precisar se submeter ao crivo do Judiciário, aguçando o senso de responsabilidade e respeito, priorizando o bom diálogo e facilitando o desenvolvimento de uma relação familiar mais sadia.
Ademais, outro aspecto relevante sobre a temática da pensão alimentícia em tempos de pandemia, se refere à prisão civil do devedor de alimentos.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu por não manter o devedor de alimentos inadimplente no sistema penitenciário, com o intuito de impedir a propagação do vírus e preservar vidas, decretando assim, prisão domiciliar para os mesmos.
Embora plausível o fundamento dessa decisão, surge um questionamento: será que a prisão domiciliar não perde seu caráter coercitivo, uma vez que todos estão com sua liberdade de circulação restrita por conta do coronavírus?
Essas e outras questões que estamos enfrentando ao longo dessa situação atípica de pandemia nos leva a refletir sobre a quebra de paradigmas e nos impulsiona a buscar soluções inovadoras.
Nesse tocante, Rafael Calmon em artigo publicado no site do IBDFAM em 08.04.20, levantou a possibilidade de se implementar no Brasil, um Fundo Especial de Garantia ao Pagamento da Pensão Alimentícia que já existe em alguns países da Europa, onde é vedada a prisão pela única razão de não se poder cumprir uma obrigação contratual.
Segundo o autor, o Fundo teria a finalidade de:
“…proporcionar recursos e meios destinados ao sustento de crianças e adolescentes credoras de pensão alimentícia não pagas pelos respectivos devedores. Nos moldes do que acontece no estrangeiro, seu acionamento deveria ocorrer, a princípio, somente por intermédio do órgão judicial, na fase executiva (execução ou cumprimento de sentença) e depois de que fossem esgotadas as tentativas consensuais e adversariais de recebimento do crédito perante o próprio alimentante, desde que não houvesse sido espontaneamente pleiteada a prisão civil como técnica coercitiva… Ao efetuar os pagamentos na periodicidade necessária, o organismo responsável por sua gestão ou o ente público ao qual estivesse vinculado (já que fundos não possuem personalidade jurídica própria, mas mera natureza jurídica – Código 120-1 no CONCLA) se sub-rogaria em todos os direitos, garantias e ações de cunho patrimonial por este titularizados em face de seu alimentante, ficando imediatamente investido do poder de aciona-lo, inclusive judicialmente, em busca de ser reembolsado. Isso atribuiria um senso bem maior de justiça a toda a situação, pois, diferentemente da prisão civil, o poder público aplicaria, e, depois recobraria, apenas o exato valor necessitado pela criança”. disponível em http://www.ibdfam.org.br/artigos/1406/Pela+Cria%C3%A7%C3%A3o+de+um+fundo+especial+de++garantia+ao+pa…+
A criação do referido Fundo é apenas um exemplo dentre tantos mecanismos diferenciados que podem surgir para contribuir com o avanço do direito de família. Sem dúvidas, após esse período desafiador, o direito não será mais o mesmo e espero que nós também não!
Toda crise traz consigo uma oportunidade de evolução, vamos juntos!